3.4. Reação

   Durante todo o programa, como foi mostrado neste estudo, cada passo do filme correspondia fielmente às propostas da indústria cultural. Show de Truman montou-se de clichês, signos, estereótipos e linguagens persuasivas que envolveram o público do mundo inteiro, comovidos e presos à televisão todos os dias, sofrendo e tendo alegrias junto com o primeiro personagem adotado pela mídia. E assim fechou os olhos para a enganação na qual ele vivia, em prol do entretenimento e da fuga de suas realidades.
   Mas chegou um momento em que a enganação não foi adiante, e Truman resolveu fugir a qualquer custo. Ludibriou as câmeras, tapeou o elenco inteiro e conseguiu pegar um barco, vencer o medo de água, entrar no mar e velejar sem destino. Ou melhor, em busca do seu destino.
   Após mobilizar todo o elenco em Seahaven à procura de Truman, em vão, o diretor Christofer consegue vê-lo na água.



   A partir desse momento, retoma a transmissão, que havia sido cortada, e tenta prendê-lo ao programa, numa tentativa que pode custar sua vida.
   As pessoas param suas vidas para acompanhar as cenas seguintes e tem início o maior desafio da vida de Truman:
   Christofer: saia deste ângulo. Não vemos o rosto dele. Vá à da cabine.
   Mostra Truman velejando.
   Christofer: pronto. Perfeito. O rosto do nosso herói. Mandemos outro barco para lá.
   Assistente de produção: ei, Gus. Preciso falar com o pessoal da balsa.
   Muda a cena para um barco, com outra equipe de funcionários, onde um deles diz: sou motorista de ônibus, explicando que não sabe dirigir um barco. E um outro assistente responde à solicitação da equipe: não sabem manejar a balsa. São atores!
    Alguém pergunta a Christofer: como o paramos? E é então que ele toma as decisões mais drásticas.
   Assistente de produção: entraremos no programa de tempo agora, portanto, segurem-se. Entendido? Vamos concentrar o mau tempo sobre o barco. Pegue as coordenadas.
   Outra assistente alerta Christofer: não há barco de resgate. Ele não saberá o que fazer.
   Christofer: ele voltará. Terá muito medo.
   Assistente de produção: lá vai.
   E desce o mau tempo sobre o barco de Truman., que começa a lutar para se manter à bordo.
   Christofer: quero relâmpagos. De novo! Mais uma vez!
   Truman cai do barco e um homem alerta o diretor mais uma vez: o mundo todo assiste! Não podemos deixá-lo morrer ao vivo!
   Christofer: seu nascimento foi transmitido ao vivo.
   Truman tenta a todo custo retornar ao barco e o mundo, que já estava parado em sua função, torce para que ele consiga.
   Truman: é o melhor que pode fazer? Terá que me matar!
   Exigem de Christofer que ele pare a transmissão, mas ele manda continuar. E ordena que aumente o vento e tombe o barco.
   O funcionário se recusa a cumprir a ordem do diretor, pois Truman se amarrou ao barco, o que pode ser fatal, mas Christofer mesmo faz com que tombe.
   Truman cai desacordado na água. O diretor indica que já chega, cessa a chuva e devolve o sol.
   O protagonista tenta recompor-se, enquanto todos assistem perplexos. Mas ele consegue, se senta no barco e continua seu caminho, até ser barrado pelo fim do cenário.
   Truman sai do barco e bate no cenário, aos prantos, até perceber que existe um caminho, que o leva a uma escada. E essa escada acaba na porta de saída.
   Ele abre a porta e o diretor o chama:
   Christofer: Truman, você pode falar. Eu posso ouvi-lo.
   Truman: quem é você?
   Christofer: sou o criador do show de televisão que dá esperança, alegria e inspiração a milhões.
   Truman: então quem sou eu?
   Christofer: você é o astro.
   Truman: nada foi real?
   Christofer: você era real. Por isso gostam de assisti-lo. Ouça, Truman. Lá fora, a verdade é igual à do mundo que criei para você. As mesmas mentiras. As mesmas decepções. Mas no meu mundo você não tem nada a temer. Nem você se conhece tão bem quanto eu.
   Truman: nunca teve uma câmera na minha cabeça!
   Christofer: está com medo. Por isso não pode sair. Tudo bem, truman, eu entendo. Acompanhei a sua vida toda. Vi quando você nasceu. Estava assistindo quando deu seu primeiro passo. E no seu primeiro dia de escola. O capítulo que perdeu seu primeiro dente.
   Não pode partir, Truman. Seu lugar é aqui. Comigo. Fale comigo. Diga algo. Diga alguma coisa, droga!      Você está na televisão! Ao vivo para o mundo inteiro!
   É mostrado novamente todas as pessoas ao longo do mundo, estáticas, esperando a reação de Truman.
   Truman: caso não os veja novamente, uma boa tarde e uma boa noite.
   Então Truman deixa o programa e o mundo explode em comemoração, mostrando que não reagem apenas de acordo com o programado e esperado pelo diretor.
   Eles viram por si próprio que o mais apropriado era a saída de Truman do show, ainda que isso fosse interromper seu entretenimento e deixar vazias essas horas que foram ocupadas pelo personagem durante trinta anos.
   Adorno e Horkheimer disseram anteriormente que seria inútil esperar uma reação do público. No entanto, se os telespectadores fossem continuar correspondendo às espectativas do diretor Christofer, eles deveriam torcer junto com ele para que Truman não deixasse o show, não tentasse conhecer a realidade além dessa onde ele foi criado. Deveriam torcer para que o personagem continuasse ali preso, levando às casas distração e alimentando nas pessoas a fuga de sua realidade e o desejo de ter um pouco do estilo de vida de Truman.
   Torcendo dessa forma, o público se enquadraria no que foi dito e previsto pelos dois estudiosos.
   Porém, reagindo de uma forma diferente da que Adorno e Horkheimer descreveram, a massa nos leva a crer que existe um momento em que ela não se deixa manipular completamente. Nos leva a crer que ela também faz suas escolhas, além das opções que a mídia forneceu e, conseqüentemente, que a sociedade mostrada e estudada através da Teoria Crítica talvez tenha mudado.
   O filme é uma representação clara da evolução da Teoria Crítica. Ele mostra que a sociedade vinha se enquadrando dentro do esperado e planejado pela indústria cultural, durante anos, mas teve um momento em que ela fugiu dessa manipulação, torcendo contra o desejo da mídia.

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