3. Show de Truman e a Indústria Cultural

   Show de Truman (The Truman Show) é um filme do diretor Peter Weir, produzido na Flórida, Estados Unidos e lançado no ano de 1998.
   O roteiro de Andrew Niccol conta a história de Truman Burbank (Jim Carrey), a primeira pessoa no mundo adotada por um canal de televisão e criada numa cidade fictícia, a bucólica Seaheaven.
   Truman saiu da barriga da mãe direto para seu mundo irreal, para os olhares das câmeras e, através delas, para os olhares dos telespectadores. “1,7 bilhão de pessoas assistiu ao seu nascimento. 220 países ligados para seu primeiro passo. E conforme ele crescia, crescia também a tecnologia. Toda a vida de um ser humano gravada numa rede de câmeras escondidas e transmitida ao vivo, sem cortes, 24 horas por dia, 7 dias por semana a telespectadores no mundo todo”, explica um narrador, divulgando o show num programa de televisão, numa das cenas do filme.



   A partir do momento em que nasceu, tudo que lhe acontecia era determinado pelo diretor Christof (Ed Harris). Truman não pode escolher seu amor, acabou casando-se com a enfermeira Meryl (Laura Linney) e alimentando um platonismo por Sylvia (Natascha McElhone). Queria ser explorador, viajar e conhecer muitos lugares pelo mundo, mas foi trabalhar numa empresa de seguros. Suas viagens eram forjadas e até mesmo sua forma de vestir foi pré-determinada por figurinistas. Quando tentava fazer alguma escolha, eram criados empecilhos, como doença da mãe ou morte do pai.
   O personagem era cercado de falsos amigos, falsos acontecimentos, falsas escolhas, enfim... Tudo no cenário era falso e todos que o cercavam eram atores. A única verdade na série era Truman, monitorado 24 horas por dia, por cerca de 5000 câmeras.
   Para amenizar o fato de prender uma pessoa em um programa de televisão, o diretor Christof tenta apelar para a originalidade do programa e sensibilizar o público usando o bom coração do personagem:
   “Já estão cansados de atores com emoções falsas. Cansados de pirotecnia e efeitos especiais. Embora o mundo em que habita seja, de certa forma, falsificado... Truman não tem nada de falso. Não tem roteiros nem deixas. Não é sempre um Shakespeare, mas é genuíno. É uma vida”, diz o diretor logo no início do filme.
   De fato, é uma vida. Uma vida totalmente moldada e construída pela mídia, para vender, para fazer com o telespectador exatamente o que a indústria cultural se propunha a
fazer: jogar as informações em tempo e velocidade que não restasse espaço para raciocinar, e só restasse ao público a absorção da mensagem da maneira que foi programada pelo idealizador do programa.
   Sendo assim, toda a originalidade à qual se apegava o diretor, na verdade, era apenas uma outra roupagem do que todos já conhecem, pois:
   Aquilo que a indústria cultural oferece de continuamente novo não é mais do que a representação, sob formas sempre diferentes, de algo que é sempre igual; a mudança oculta um esqueleto, no qual muda tão pouco como no próprio conceito de lucro, desde que este adquiriu o predomínio sobre a cultura.
(ADORNO apud WOLF, 2002, p. 85)

   Ou seja, a partir do momento em que a cultura tornou-se vendável, sua qualidade deixou de ter tanta importância. A prioridade era que a pessoa captasse que o estilo de vida mostrado pela mídia era o ideal e que se ela adquirisse certos bens materiais também mostrados pela mídia, conquistaria juntamente com eles seu status, seu valor agregado.
   Essa comercialização de estilos de vida era o que também se mostrava no filme, onde tudo era vendido. Cada item presente no programa podia ser adquirido pelos telespectadores. Envolvidos nesse comércio plantado pela mídia, as pessoas assistiam ao show agarradas em almofadas com o rosto do personagem, vestidas em camisetas com sua foto e outros itens relacionados ao programa.
   Na entrevista dada pelo diretor Christof ao apresentador Mike Michaelson (Harry Shearer), no programa “Papo Real”, eles explicam que o Show de Truman se mantém através dessas vendas:




   Mike: o show gerou lucros enormes, hoje equivalentes ao PIB de um país pequeno.
   Christof: as pessoas esquecem que para manter o show precisamos da população toda.
   Mike: já que o show passa 24 horas por dia sem interrupções comerciais, estes lucros assombrosos são gerados por produtos.
   Christof: verdade. Tudo no show está à venda. Desde as roupas dos atores, as comidas, e até as casas em que moram. Está tudo no catálogo Truman. As telefonistas aguardam.
   Tal passagem reafirma que o que a mídia quer é incitar no público o desejo de obter um pouco da perfeição de Seaheaven para si mesmo.
   O telespectador leva uma vida que não o satisfaz, com:
   Um quadro social tão negativo, carregado de problemas de diversas naturezas (pressão do trabalho, falta de dinheiro, medo do contato com outros, incapacidade de organização do lazer, conflitos domésticos, solidão), [e] o aparelho de televisão funciona como um „instituidor da ordem e da paz.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 23)

   Uma fuga para essa rotina tão desgastada à qual ele acabou se submetendo, ainda que sem querer. Obter certos bens materiais, como já foi dito, acaba trazendo um pouco dessa realidade da qual, indiretamente, o telespectador já participa, pois ela está presente diariamente na sua vida por muito tempo. 30 anos, no caso do Show de Truman; que é o tempo de exibição do programa e idade do personagem.
   A compra é a forma encontrada de realizar-se um pouco mais, de aproximar-se de uma realidade que é ao mesmo tempo tão distante e tão próxima da sua, já que, como foi dito anteriormente, a mídia apenas reproduz de uma forma um pouco diferente aquilo que já existe na sociedade.

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