Resumo

   O trabalho apresentado a seguir foi uma análise de “Show de Truman – O Show da Vida”, filme lançado no ano de 1998 e estrelado pelo ator Jim Carrey, que conta a história fictícia da primeira pessoa adotada pela mídia. Foi traçado um paralelo entre o filme e a indústria cultural, com base na Teoria Crítica. O objetivo era utilizar o filme para estudar e compreender a Teoria Crítica, analisando os meios de envolver o telespectador, assim como as causas e efeitos desse envolvimento, que podem chegar a fins planejados por quem controla a mídia, como também chegar a situações imprevisíveis.

Palavras-chave: teoria crítica, indústria cultural, televisão, consumidor, show de Truman.

Abstract

   The work following presented was an analysis of "The Truman Show", a movie launched by the year of 1998 and starry by the actor Jim Carrey, with tells the fictitious history of the first person adopted by the media. A comparison was traced between the movie and the cultural industry, based on the Critical Theory. The purpose was utilize the movie to study and to understand the Critical Theory, analyzing the ways of involve the spectator, such as the causes and effects of this involvement, with can reach the purposes planed by those who controls the media, as also attain to unpredictable situations.

Key-words: critical theory, cultural industry, television, consumer, Truman show.

Introdução

   Truman Burbank nasceu duas semanas antes do esperado. O prematuro de cinco gestações indesejadas que competiam para ser o primeiro bebê adotado pela mídia e estrela principal de um programa que mostraria ao vivo sua vida, todos os dias e todas as horas.
   Essa é a história fictícia do personagem principal de um reality show cujo título levava seu próprio nome: Show de Truman. O mesmo título dá nome ao filme, que foi lançado mundialmente no ano de 1998 e é um grande exemplo de como funciona o universo da mídia e o controle que a indústria cultural e os meios de comunicação de massa exercem sobre as pessoas.
   O tema foi escolhido por despertar curiosidade para análise, numa tentativa de compreender a Teoria Crítica. Compreender que o poder da manipulação exercida sobre as pessoas pode chegar aos fins planejados, mas também pode alcançar situações imprevisíveis.
   A televisão é um veículo de grande alcance e um dos principais meios de comunicação em massa. Ela está presente na vida das pessoas, influenciando-as e persuadindo-as. Portanto, primeiro vamos compreender como a TV surgiu na vida das pessoas e quais mudanças ela trouxe consigo.
   Vamos ver o quanto os hábitos da sociedade mudaram quando passaram a ter dentro de casa uma presença que não fosse um membro da família, ou um conhecido, mas tivesse voz, se impusesse e se fizesse ouvir.
   Para que essa análise seja mais abrangente, é preciso compreender o que foi a Teoria Crítica. Saber que ela surgiu com a Escola de Frankfurt, na Alemanha, onde um grupo de estudiosos se reuniu com o intuito de investigar os fenômenos sociais, identificá-los e entendê-los. Saber também quem foram os principais estudiosos e o que eles ensinaram sobre cultura de massa, indústria cultural, e os meios de comunicação.
   Na sequência será traçado um paralelo entro o filme Show de Truman e tais estudos citados anteriormente, mostrando o quanto ele nos fala sobre o comportamento da mídia.
   De que maneira o filme nos aponta cada elemento: estereótipos, signos, clichês...
   Vamos tentar compreender de que maneira a indústria cultural usa o telespectador objetivando a obtenção de lucros.
   Através do personagem do diretor Christofer, teremos uma representação clara do papel e da força que a indústria cultural exerce sobre as pessoas. Seu domínio, sua maneira ilimitada de buscar seus objetivos.
   Quem sabe, nessa busca pela compreensão do sistema que abrange a cultura de massa, não possamos enxergar além do que nos já foi dito?

1. A Televisão como Meio de Transformação da Sociedade

   Primeiro surgiu o homem. Com o passar do tempo, esse mesmo homem criou várias formas de representá-lo. Formas que mais tarde viriam afetar a ele mesmo.
   Durante anos a pintura representativa foi a melhor forma de reproduzir o ser humano. Até que, em 1831, chegou a fotografia para revolucionar a arte e mudar o sentido da pintura de retratos. O que, provavelmente, até então não se podia imaginar, é que a fotografia era apenas o marco inicial dos veículos que transformariam a sociedade.
   Ela traria o filme, instrumento que levaria ao vídeo, ao cinema e, por último, à televisão.
   Em março de 1935 foi realizada oficialmente a primeira transmissão de televisão na Alemanha. Oito meses depois, em novembro, aconteceu a primeira transmissão na França e em 1936 a BBC (British Broadcasting Corporation), que já era emissora de rádio, passou a ser de televisão também; mais de cem anos após o surgimento da fotografia e menos de 50 anos após a chegada do cinema.
   Com a chegada da televisão, houve uma inversão de fatores:
   Enquanto na fotografia o sujeito escolhe os detalhes que mais o interessam, na televisão eles são escolhidos para as pessoas, e isso acarreta grandes perdas: o direito de escolha e da livre concentração, além de serem impostas as cenas que interessam principalmente ao realizador do programa e ao patrocinador
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 13)
   Foi com a facilidade das mensagens prontas e de rápida assimilação que a TV se instalou nos lares. Ela já traz a mensagem concluída: a imagem é mostrada de maneira completa e pronta para ser digerida, sem maiores interpretações. O telespectador não tem o que escolher, não precisa de muito para entender, não precisa buscar nada. Antes que ele o tente, a imagem já se foi.
   Pode-se dizer que, ao passo em que a televisão foi se consolidando, o cinema passou a representar o intermédio entre ela e a fotografia, pois:
   Os filmes (não todos) permitem que o espectador observe os detalhes quando a edição (montagem) ou filmagem tiver se detido mais tempo sobre um objeto. É preciso que haja um retardamento da imagem para que o espectador possa percorrer por si mesmo os vários ângulos, como se estivesse observando uma fotografia. Retardamento aqui significa lentidão, morosidade na fixação da câmera em alguns objetos para permitir ao público a emoção, a reflexão, o aprofundamento da cena
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 17)
   O filme, o cinema, trabalha com possibilidades, tem mais liberdade que a televisão. Ele pode optar por mais ação, assim como se ater a trechos e imagens, instigando o raciocínio de quem o assiste. Ele pode também, como já foi citado, “retardar” uma imagem pelo tempo que for necessário. Enquanto na televisão isso não seria útil. Essa possibilidade da vagareza no tratamento com o telespectador da qual o cinema dispõe não se encaixa na indústria comercial que a TV chegou para formar. Se a pessoa parar pra absorver uma mensagem, provavelmente ela não cause exatamente o efeito calculado por quem a criou, por isso a edição de TV costuma ser mais dinâmica que a edição de cinema.
   Um dos motivos para o cinema ir perdendo a popularidade e deixando de ser o meio de comunicação preferido pelas pessoas foi, portanto, toda essa facilidade que o veículo televisivo trouxe:
   A televisão começou a se expandir rapidamente após o final da Segunda Guerra Mundial. Na época, o cinema monopolizava o público noturno, e o rádio era um meio de comunicação de ampla penetração no cotidiano dos lares. A televisão poderia ser vista, em termos de comunicação, mais próxima do rádio do que do cinema. Para se assistir a um filme era preciso organizar-se. Como no teatro, no balé, era preciso acompanhar o programa daquela semana, escolher uma noite para sair e vestir-se adequadamente. Cinema era um acontecimento social como o baile, pois mantinha o caráter de excepcionalidade: tratava-se de um programa diferente daquele que normalmente se fazia à noite.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 17)
   Já com a televisão, não havia essa necessidade. O próprio veículo fazia a programação. As pessoas não precisavam nem escolher os horários, porque eles já estavam pré-determinados. Elas só precisavam lembrar e disponibilizar seu tempo. Mas sem sair de casa, sem gastar dinheiro, sem precisar se arrumar ou convidar alguém. Bastava ela se acomodar na frente do aparelho e o conteúdo já estaria disponível.
   O rádio já tinha apresentado a rádio novela, portanto, quando a novela chegou com imagens, já haviam pessoas que mantinham o hábito de acompanhar algo que retratava uma realidade que não era a sua, uma realidade bem mais ilusória. Carregada de imagens, a novela tornou-se bem mais encantadora, atraiu bem mais. Facilitando assim a transformação do conteúdo em produto. O estilo de vida reproduzido nas telenovelas eram desejados, e, consequentemente, vendidos.
   E foi assim que a relação com o meios de comunicaçãos começou a mudar. O rádio e a televisão trouxeram abordagens diferentes:
   Primeiro, porque, além de distrair, são veículos que informam as pessoas e funcionam como meio de atualização; segundo, porque vão até a casa das pessoas, em vez de as pessoas irem até eles; terceiro, porque tornam-se „da família‟, são cotidianos e tem recepção regular e contínua.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 19)
   Juntamente com essa mudança e devido ao fato da TV colocar-se tão próxima quanto qualquer membro da família, o comportamento dentro de casa também começou a mudar: as pessoas passaram a se isolarem bem mais, conversarem menos, suas relações diretas passaram a ser com o aparelho, não mais com os outros telespectadores.
   Tal acontecimento deve-se ao fato do relacionamento com a televisão ser bem mais fácil. O público se sente inserido num contexto que não é o dele - mas é bem melhor - e sem necessidade de interagir. Eles tem a companhia dos apresentadores, dos atores, “não precisam responder (basta ouvir o que a TV fala), e tem o controle total da ação (podem decidir se querem ou não o contato)” (FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 22). É uma relação bem mais objetiva e bem menos desgastante.
   A televisão não busca romper padrões ou estereótipo, ao contrário, ela assume duas posturas: ou tenta reafirmar o que o telespectador já acredita, trabalhar em cima disso; ou impõe de forma sutil a sua mensagem, massifica e estipula o pensamento de quem a assiste.
   Isso não quer dizer que ela não possa inovar, que não possa fazer o telespectador pensar. Pode sim. Mas pensar o que foi pré-determinado, pensar de acordo com o que já foi planejado, com o que a mídia espera. “Ela inova, apresentando exemplos de vida, de ambientes, de situações que acabam funcionando como modelos” (FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 36), mas tudo de acordo com o planejado:
   Se as conversas domiciliares giravam em torno do conhecido (a rua, a família, os parentes) ou da vida pública (a polícia, a religião, o futebol), a televisão traz agora „novos momentos‟, novas realidades, que mostram mundos desconhecidos e inovadores para o público. Nesse sentido, ela amplia os antigos horizontes de discussão e o diálogo das pessoas, dilatando sua vivência com esses novos dados
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 37)
   Ela mostra um mundo de fascínio, de show, totalmente diferente do cotidiano das pessoas e, ao mesmo tempo, não tão distante. É sua realidade maquiada, da forma que as pessoas gostariam que ela fosse e, no entanto, não consegue atingir. São novos padrões inseridos, que as pessoas desejam obter. É uma mudança de hábitos culturais e sociais, que começa a ser vendável. O público passa a acreditar que essa felicidade criada pela televisão pode ser atingida caso “aquele” carro seja comprado, ou “aquela” roupa, ou uma infinidade de produtos que representam muito mais status que sua serventia real (locomoção, vestimenta).
   A partir de mudanças tão notórias surgiram estudos, estudiosos e a Teoria Crítica, que norteará este trabalho.

2. Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica

   A Escola de Frankfurt foi fundada em 1928, na Alemanha, por iniciativa de Félix Weil, filho de um importante negociante de grãos de trigo na Argentina.
   Sua primeira denominação foi Instituto para a Pesquisa Social, sendo que antes dele também havia sido cogitado Instituto para o Marxismo, pois os filósofos e cientistas sociais da escola adotavam as tendências marxistas do final dos anos 1920.
   Apenas em 1950. Horkheimer (diretor da escola desde 1931 e um dos principais filósofos), adotou Escola de Frankfurt como nome definitivo.
   A Teoria Crítica nasceu nessa escola com o intuito de investigar os fenômenos relacionados às forças sociais. Sendo assim, os autores objetivavam enfrentar as temáticas novas, provenientes das dinâmicas societárias da época, como a industrialização, o autoritarismo e os conflitos sociais:
   Historicamente, a teoria crítica identifica-se com o grupo de investigadores que freqüentou o Institut für Sozialforschung, de Frankfurt. (...) Este Instituto torna-se um centro importante, adquirindo a sua identidade definitiva com a nomeação de Max Horkheimer para seu diretor. Com o advento do nazismo, o Instituto (conhecido na época como Escola de Frankfurt) é obrigado a fechar e os seus representantes principais emigram, primeiro para Paris, depois para várias universidades americanas e, finalmente, para o Institute of Social Research, em Nova Iorque. Reaberto em 1950, retoma a sua atividade de estudo e pesquisa, prosseguindo na atitude teórica que o tinha distinguido desde o início e que o motivara a sua originalidade, isto é, na tentativa de fundir o comportamento crítico nos confrontos com a ciência e a cultura com a proposta política de uma reorganização racional da sociedade, de modo a superar a crise da razão
(WOLF, 2002, p. 82)

   A sociedade, após várias mudanças e inovações, começa a levar uma vida que pode ser dita como “diminuída”. Ela pensa menos, vive menos e absorve mais, assumindo um estado de imobilidade cultural e ideológica que passou a ser questionado pelos estudiosos da Escola de Frankfurt.
   A escola rejeitava os ideais que passaram a ser impostos às pessoas e começou uma tentativa de disseminar uma prática crítica nas ciências humanas (história, psicologia, sociologia, etc.).
   Nesse meio tempo, a televisão foi difundida, iniciaram-se as mudanças sociais citadas anteriormente e o marxismo, a razão e a sociedade abriram cada vez mais espaço para críticas e trabalhos.
   Foi então que, em Dialética do Esclarecimento, texto iniciado em 1942, nasceu o termo “indústria cultural”. Nesse trabalho, Adorno e Horkheimer descreviam a transformação do
progresso cultural no seu inverso, a partir de análises da sociedade americana, entre os anos de 30 e 40:
   Nas notas anteriores à edição definitiva da Dialética do Iluminismo, empregava-se o termo „cultura de massa‟, A expressão foi substituída por „indústria cultural‟ para o suprimir, e desde o início a interpretação corrente é a de que se trate de uma cultura que nasce espontaneamente das próprias massas, de uma forma contemporânea de arte popular.
(WOLF, 2002, p. 85)

   Por cultura de massa pode-se entender tudo aquilo que é produzido para atingir a maioria, sem ser intelectualmente filtrado. É o oposto de uma cultura rica e erudita. Não há um comportamento cultural que parta das massas, pelo contrário, esse comportamento é imposto às pessoas através de gostos, necessidades, estereótipos e, consequentemente, baixa qualidade, pois interessa apenas que o público seja atingido pelo que foi planejado, sem que ele tenha tempo para pensar.
   Foi a esse mercado de massas que se deu o nome de indústria cultural, um sistema onde “cada setor se harmoniza entre si e todos se harmonizam reciprocamente” (HORKHEIMER – ADORNO apud WOLF, 2002, p. 85).
   A partir do momento em que a eficácia do produto, seu consumo, foi priorizada, a palavra qualidade passou a ser praticamente ignorada, assim como tudo que era novo, a fim de não correr riscos de falhar. É oferecido algo aparentemente novo, mas que, na realidade, nada mais é que uma outra representação de algo que não muda.
   Esse esquema de imposição que passou a ser seguido pela mídia obtinha sucesso. O indivíduo deixou de tomar decisões autonomamente. Seus conflitos internos eram anulados, pois ele não precisava mais pensar a respeito de suas dúvidas. Aliás, as dúvidas nem precisavam mais existir, porque a indústria cultural fazia justamente o papel de mostrar prontamente o que deveria ser decidido pelo consumidor:
   Aquilo a que outrora os filósofos chamavam de vida, reduziu-se à esfera do privado e, posteriormente, à do consumo puro e simples, que não é mais do que um apêndice do processo material da produção, sem autonomia e essência próprias
(ADORNO apud WOLF, 2002, p. 86)

   Dessa forma, a indústria cultural foi tirando a individualidade do consumidor. Este, por sua vez, foi consolidando-se um fantoche dessa indústria.
   Essa dominação segue uma lógica onde tudo que é comunicado foi criado unicamente com o objetivo de seduzir, onde o efeito oculto da mensagem pode ser mais importante que o que está explícito e, no entanto, o telespectador não pode se dar conta do que está
acontecendo. A mensagem deve penetrar em seu cérebro, rompendo qualquer resistência ao consumo, antes que a pessoa perceba o controle que está sendo exercido sobre ela:
   O espectador não deve agir pela sua própria cabeça: o produto prescreve todas as reações: não pelo seu contexto objetivo – que desaparece mal se volta para a faculdade de pensar – mas através de sinais. Qualquer conexão lógica que exija perspicácia intelectual, é escrupulosamente evitada.
(HORKHEIMER – ADORNO apud WOLF, 2002, p. 88)

   A soma dessas ações e a irradiação dessas propostas acabam se instalando numa sociedade complicada e moderna que, sujeita a tantas mazelas, se agarra aos clichês e estereótipos impostos pela indústria cultural, como se eles preenchessem algum vazio e ordenassem a vida sem direção dessa sociedade.
   A teoria crítica, portanto, é a base do estudo sobre indústria cultural e os meios de comunicação em massa e, exatamente por esse motivo, foi escolhida como ponto central para análisar do filme Show de Truman e direcionar este trabalho.

3. Show de Truman e a Indústria Cultural

   Show de Truman (The Truman Show) é um filme do diretor Peter Weir, produzido na Flórida, Estados Unidos e lançado no ano de 1998.
   O roteiro de Andrew Niccol conta a história de Truman Burbank (Jim Carrey), a primeira pessoa no mundo adotada por um canal de televisão e criada numa cidade fictícia, a bucólica Seaheaven.
   Truman saiu da barriga da mãe direto para seu mundo irreal, para os olhares das câmeras e, através delas, para os olhares dos telespectadores. “1,7 bilhão de pessoas assistiu ao seu nascimento. 220 países ligados para seu primeiro passo. E conforme ele crescia, crescia também a tecnologia. Toda a vida de um ser humano gravada numa rede de câmeras escondidas e transmitida ao vivo, sem cortes, 24 horas por dia, 7 dias por semana a telespectadores no mundo todo”, explica um narrador, divulgando o show num programa de televisão, numa das cenas do filme.



   A partir do momento em que nasceu, tudo que lhe acontecia era determinado pelo diretor Christof (Ed Harris). Truman não pode escolher seu amor, acabou casando-se com a enfermeira Meryl (Laura Linney) e alimentando um platonismo por Sylvia (Natascha McElhone). Queria ser explorador, viajar e conhecer muitos lugares pelo mundo, mas foi trabalhar numa empresa de seguros. Suas viagens eram forjadas e até mesmo sua forma de vestir foi pré-determinada por figurinistas. Quando tentava fazer alguma escolha, eram criados empecilhos, como doença da mãe ou morte do pai.
   O personagem era cercado de falsos amigos, falsos acontecimentos, falsas escolhas, enfim... Tudo no cenário era falso e todos que o cercavam eram atores. A única verdade na série era Truman, monitorado 24 horas por dia, por cerca de 5000 câmeras.
   Para amenizar o fato de prender uma pessoa em um programa de televisão, o diretor Christof tenta apelar para a originalidade do programa e sensibilizar o público usando o bom coração do personagem:
   “Já estão cansados de atores com emoções falsas. Cansados de pirotecnia e efeitos especiais. Embora o mundo em que habita seja, de certa forma, falsificado... Truman não tem nada de falso. Não tem roteiros nem deixas. Não é sempre um Shakespeare, mas é genuíno. É uma vida”, diz o diretor logo no início do filme.
   De fato, é uma vida. Uma vida totalmente moldada e construída pela mídia, para vender, para fazer com o telespectador exatamente o que a indústria cultural se propunha a
fazer: jogar as informações em tempo e velocidade que não restasse espaço para raciocinar, e só restasse ao público a absorção da mensagem da maneira que foi programada pelo idealizador do programa.
   Sendo assim, toda a originalidade à qual se apegava o diretor, na verdade, era apenas uma outra roupagem do que todos já conhecem, pois:
   Aquilo que a indústria cultural oferece de continuamente novo não é mais do que a representação, sob formas sempre diferentes, de algo que é sempre igual; a mudança oculta um esqueleto, no qual muda tão pouco como no próprio conceito de lucro, desde que este adquiriu o predomínio sobre a cultura.
(ADORNO apud WOLF, 2002, p. 85)

   Ou seja, a partir do momento em que a cultura tornou-se vendável, sua qualidade deixou de ter tanta importância. A prioridade era que a pessoa captasse que o estilo de vida mostrado pela mídia era o ideal e que se ela adquirisse certos bens materiais também mostrados pela mídia, conquistaria juntamente com eles seu status, seu valor agregado.
   Essa comercialização de estilos de vida era o que também se mostrava no filme, onde tudo era vendido. Cada item presente no programa podia ser adquirido pelos telespectadores. Envolvidos nesse comércio plantado pela mídia, as pessoas assistiam ao show agarradas em almofadas com o rosto do personagem, vestidas em camisetas com sua foto e outros itens relacionados ao programa.
   Na entrevista dada pelo diretor Christof ao apresentador Mike Michaelson (Harry Shearer), no programa “Papo Real”, eles explicam que o Show de Truman se mantém através dessas vendas:




   Mike: o show gerou lucros enormes, hoje equivalentes ao PIB de um país pequeno.
   Christof: as pessoas esquecem que para manter o show precisamos da população toda.
   Mike: já que o show passa 24 horas por dia sem interrupções comerciais, estes lucros assombrosos são gerados por produtos.
   Christof: verdade. Tudo no show está à venda. Desde as roupas dos atores, as comidas, e até as casas em que moram. Está tudo no catálogo Truman. As telefonistas aguardam.
   Tal passagem reafirma que o que a mídia quer é incitar no público o desejo de obter um pouco da perfeição de Seaheaven para si mesmo.
   O telespectador leva uma vida que não o satisfaz, com:
   Um quadro social tão negativo, carregado de problemas de diversas naturezas (pressão do trabalho, falta de dinheiro, medo do contato com outros, incapacidade de organização do lazer, conflitos domésticos, solidão), [e] o aparelho de televisão funciona como um „instituidor da ordem e da paz.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 23)

   Uma fuga para essa rotina tão desgastada à qual ele acabou se submetendo, ainda que sem querer. Obter certos bens materiais, como já foi dito, acaba trazendo um pouco dessa realidade da qual, indiretamente, o telespectador já participa, pois ela está presente diariamente na sua vida por muito tempo. 30 anos, no caso do Show de Truman; que é o tempo de exibição do programa e idade do personagem.
   A compra é a forma encontrada de realizar-se um pouco mais, de aproximar-se de uma realidade que é ao mesmo tempo tão distante e tão próxima da sua, já que, como foi dito anteriormente, a mídia apenas reproduz de uma forma um pouco diferente aquilo que já existe na sociedade.

3.1. Estereótipos

   Nessa reprodução, os estereótipos estão incluídos. Eles:
   São um elemento indispensável para se organizar e antecipar as experiências da realidade social que o sujeito leva a efeito. Impedem o caos cognitivo, a desorganização mental, constituem, em suma, um instrumento necessário de economia na aprendizagem. Como tal, nenhuma atividade pode prescindir deles.
(WOLF, 2002, p. 91)

   Em outras palavras, os estereótipos são necessários para situar o telespectador dentro da mensagem. Eles ajudam a despertar a identificação do telespectador com o programa, trazendo até eles a potencialização dos tipos aos quais ele já está acostumado a ver diariamente. E isso também ajuda a prender a atenção.
   Quanto mais dura é a realidade da pessoa, mais ela vai ater-se e apegar-se aos personagens de um programa, vendo neles a vivência que ela gostaria de ter.
   Em Show de Truman, muitos são os estereótipos que podemos identificar:
   A vizinhança sempre feliz, rodeada de seus cachorros ou esposas e crianças. Sempre prontas para um cumprimento:



   Truman à família vizinha: bom dia.
   Marido (Fritz Dominique) sorri e esposa (Angel Schmiedt) responde: bom dia.
   Filha do casal (Nastassja Schmiedt): bom dia. Truman: e caso não os veja novamente, tenham uma boa tarde e uma boa noite. Na sequência, Truman caminha em direção ao carro e é abordado por outro vizinho, Spencer (Ted Raymond), que diz: bom dia, Truman.
   Truman: bom dia, Spencer.
   O cachorro Dálmata do vizinho vai em sua direção e Truman tenta se defender: Pluto, não! Abaixe!
   Spencer: ele não faz nada.
   Pluto começa a pular em Truman, que responde ao vizinho: eu sei. É só comigo.
   Até que Spencer chama seu cachorro e Truman entra no carro para começar seu dia de trabalho.
   A vizinhança feliz não é retratada apenas através dos vizinhos corteses. As casas bem pintadas e bem cuidadas, com belas cercas e belos jardins, ruas limpas, onde todos estão sempre dispostos para o trabalho e para executar suas atividades são outros aspectos que ajudam a compor o quadro que, nada mais é, que um estereótipo de uma vizinhança ideal e um convívio ideal com estas pessoas que moram tão próximas.
   Em uma das primeiras cenas do filme, quando Truman está saindo para o trabalho, uma peça de iluminação cai do alto do cenário, bem próxima ao personagem. A estranheza do objeto e sua queda o deixam intrigado.
   Para disfarçar o acontecimento, é noticiado no rádio que uma aeronave derrubou suas partes. É então que nos deparamos com outro estereótipo: o radialista, que faz uso de uma linguagem que proporciona aproximação com o ouvinte e o faz sentir confortável, acompanhando-o diariamente a caminho de mais um dia difícil. Este radialista, além de deixar o trabalhador a par das notícias, o faz relaxar com um pouco de música.
   A reprodução do seguinte trecho do filme ajuda a exemplificar e explicar o que foi exposto anteriormente:
   Radialista: notícias recentes. Uma aeronave com problemas derrubou suas partes ao voar sobre Seahaven há alguns momentos. Por sorte ninguém se machucou. Mas, tudo bem com você? Que ótimo. Pensando em viajar de avião?
   Truman: não.
   Radialista: que bom. É o programa “Vôo Clássico Com Carro Clássico” então, esqueça os riscos de voar, acomode-se e ouça esta música para relaxar.
   Ainda no trajeto de Truman ao trabalho, podemos extrair outro exemplo de estereótipo: Harold (Mal Jones), o dono da banca de revistas. Um velhinho simpático, sempre pronto para atender a clientela.
   O diálogo seguinte reproduz a boa relação que o vendedor tem com seus clientes que, por sua vez, faz parte do ideal de convivência passado para os que assistem ao programa:



   Truman: o jornal, por favor, Harold? E uma dessas aí para a minha esposa. Adora revista de moda.
   Harold, com um largo sorriso, pergunta: isso é tudo, Truman?
   Truman: tudinho, amigo.
   Harold: até depois.
   Outros personagens que compõem esse grupo de exemplos são: Meryl, a esposa de Truman. Uma enfermeira dedicada ao trabalho e à família, boa dona do lar, sempre atenta aos produtos que facilitam a vida da dona de casa, sempre preparando algo gostoso na cozinha e alerta às necessidades do marido e à boa convivência com a sogra, que, por sua vez, é outro estereótipo. A suposta mãe de Truman (Holland Taylor) é uma senhora sempre pronta para ouvir seu filho e sua nora. Grande incentivadora do matrimônio, está sempre desejando e esperando por netos, que ainda não vieram.
   A própria cidade de Seahaven é um grande estereótipo, pois nela tudo acontece de forma perfeita: seu pôr-do-sol é o mais bonito, assim como sua lua. Suas ruas e praças são impecáveis, o trânsito tem ordem, as crianças vão à escola, os lugares abrem e funcionam da maneira esperada, e todos vivem em harmonia e com educação.
   Há um trecho no filme em que um colega de trabalho de Truman comenta com ele uma manchete de jornal relacionada à Seahaven, que deixa bem claro a idéia de cidade perfeita vendida através do show:
   Colega de trabalho (Judson Vaughn): “O Melhor Lugar do Planeta”. Truman, viu isto?


   Esse conjunto de fatores e personagens serve para confirmar que tais elementos de um programa como Show de Truman são extraídos pela Indústria Cultural, das necessidades percebidas no público.
   Existe uma negação da vida real, que tende a maquiar os personagens e elementos presentes no convívio real do telespectador. Estes, por sua vez, são mostrados na televisão da maneira que esse telespectador gostaria de vê-los:
   É importante, então compreender que o fascínio da TV não é fabricado, não há um grupo de pessoas maquinando estórias e personagens para impor às massas; ao contrário, os meios de comunicação atuam sobre as necessidades já existentes no ser humano.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 42)

   O próprio público mostra como a indústria deve agir para elaborar a magia dos shows, do espetáculo que é a linguagem da televisão.
   Para compor essa linguagem, existem também dois esquemas básicos. Não só os estereótipos são extraídos do que o público espera, não só eles são utilizados para aproximar o telespectador do aparelho televisivo, tornando-o cada vez mais parte necessária de sua vida:
   Temos, portanto, naquilo que convencionalmente se chama linguagem da televisão, a redução de tipos, de acontecimentos, de situações a esquemas básicos, construídos de forma simples e facilmente identificáveis. Essa padronização criada pela televisão empobrece, sem dúvida alguma, a reprodução da vida, reduzindo-a a um agrupamento de cenas-padrão.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 44)

   Primeiro deve ser explicado que o empobrecimento da reprodução da vida na produção televisiva à qual se refere o autor é apenas parte da composição que a Indústria Cultural realiza. Por produzir para as massas, essa indústria se preocupa apenas em atingir o público quantitativamente, deixando de lado a qualidade de suas produções.
   Importa quantas pessoas vão digerir aquele produto cultural, mas não importa a maneira como isso vai acontecer e nem se esse conteúdo vai enriquecer o público. A prioridade é que o objetivo seja atingido: a absorção da mensagem da maneira que ela foi estudada e programada para acontecer.

3.2. Signos e Clichês

   Voltando à linguagem da televisão, os esquemas básicos mencionados pelo autor são compostos por duas divisões: os signos e os clichês:
   O signo atua em dois lados: na cabeça do receptor e no produto de comunicação que o receptor vê, pois o produto é realizado por pessoas que também elaboram os pensamentos como signos. A produção sígnica só tem efeito se realiza essa dualidade de forma plena
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 45)

   Ou seja, o signo vai agir na pessoa que o está percebendo e no produto que o está passando. São os dois lados da transmissão.
   Essa divisão é feita no processo de extração do signo da sociedade.
   De certa forma, é como o estereótipo, que já está presente e é apenas maquiado para ser usado na televisão. No caso do signo, ele também está presente na sociedade, no entanto, ele não vai ser necessariamente maquiado. O que vai acontecer é que será extraído de uma situação real elementos que possam ser usados para uma produção da Indústria Cultural, de uma forma aceitável, que seja digerida sem maiores transtornos.
   Um exemplo usado pelo autor Ciro Marcondes Filho são as cerimônias culturais de índios da Amazônia, onde os costumes devem ser cuidadosamente analisados, pois:
   Para serem „consumidos‟ pelo telespectador junto com sua cerveja, seu salgadinho, seu cigarro, precisarão ser neutralizados e generalizados: a fábrica de produtos de comunicação (a emissora de TV, no caso) extrai do produto suas aberrações, seus elementos chocantes, suas peculiaridades, seus termos regionais – entendidos só em seu local de origem -, deixando-o „simplificado‟, compreensível para todos, facilmente assimilável
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 31)

   No exemplo citado, as cerimônias culturais de índios da Amazônia são um produto cultural e o que dele é extraído para ser utilizado na televisão é o que pode ser chamado de mercadoria cultural.
   Partindo desse exemplo, fica mais claro mostrar que o signo na cabeça do receptor age como um mecanismo de defesa, pois ele se firma na necessidade que as pessoas tem de negar a realidade, de camuflar o que a desagrada e evitar os conflitos encontrados na sociedade.
   Já o signo no produto de comunicação visto pelo telespectador são essas peças extraídas de alguma situação social para que tal situação seja simplificada e se torne aceitável, enquadrando-se ao que a massa pode compreender e ao que a indústria quer mostrar à massa.
   Usando outro exemplo de Ciro Marcondes Filho, temos um “automóvel velho ou batido que vai para o desmanche. Lá ele é desmontado, e as peças são reunidas separadamente” (FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 45).
   Essas peças são a mercadoria cultural, são os signos.
   Em Show de Truman, essa extração dos signos ocorre em situações mais corriqueiras e menos extremadas. Eles não foram tirados de rituais indígenas, por exemplo, mas sim da vida cotidiana dos telespectadores.
   Elementos como romance, medo, profissão, amizade foram extraídos da sociedade de uma maneira adaptável ao público do show.
   Truman relacionou-se desde a faculdade com a mulher que viria a ser sua esposa. Lidou com medos e traumas, com questões profissionais e, para enfrentar tudo isso, contou sempre com seu melhor amigo e companheiro de conversas e cervejas.
   Tais elementos estão presentes na vida de qualquer pessoa, muitas vezes de forma até cruel. No show, foi extraído disso apenas o que poderia ser mercadoria cultural.
   As dificuldades que o diretor Christof o impôs (sempre propositadamente) durante praticamente os 30 anos de existência de Truman, não foram nada que o público não pudesse tomar como exemplo para si ou não suportasse ver.
   O signo se torna, portanto, uma estrutura vazia, pois ele é retirado de sua situação de origem e recebe uma nova roupagem, despida de maiores dificuldades e livre de negativismo. “É uma representação neutralizada de ações (elas seriam terríveis de outra maneira) e um encaixe perfeito para a necessidade humana de distanciar-se dessas ações” (FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 47).
   A segunda divisão dos esquemas básicos da linguagem televisiva é formada pelos clichês.
   Os clichês traçam um paradoxo com os signos. Enquanto estes últimos tem a finalidade de camuflar o que o telespectador pode vir a sentir, os primeiros devem justamente canalizar os sentimentos, potencializá-los:
   No clichê, a emoção que havia sido congelada pelo signo é novamente aquecida. Cativa-se o receptor, embalando-o em sonhos, transportando-o para outros mundos de felicidade ou desgraça, bem longe da vida real. Quando a volta à vida real ameaça acontecer surgem soluções radicais e decisivas: felicidade muito forte e esquemática, destruição formal, esperanças irreais. São fantasias que mantêm os telespectadores no mundo das normas, dos valores e das duras realidades. Antes que o sonho invada a vida do receptor, tirando-lhe a paz, a estrutura da fantasia-clichê o abate e o neutraliza.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 49)

   É uma forma sobrecarregada de trazer emoções extremadas ao telespectador, que estava absorto no conforto levado pelos signos e desperta num brusco momento de felicidade ou tristeza, através de uma situação mostrada que chega a ser surreal.
   É como se forçasse o telespectador a acordar da neutralidade dos signos, saindo de uma ilusão tênue, para uma situação forte, mas que não chega a ser necessariamente menos ilusória.
   Em Show de Truman, o pricipal clichê é representado pela cena em que seu pai retorna. Kirk Burbank, vivido pelo ator Brian Delate, havia desaparecido em um acidente de barco, durante um passeio com Truman, quando o protagonista tinha apenas sete anos.
   A situação foi provocada tanto em prol da conquista de audiência, quanto pra causar um trauma em Truman, que sonhava em ser explorador. A cidade de Seahaven é uma ilha; de forma que, se Truman temesse água, seria um empecilho a mais para ele deixar a cidade e, consequentemente, o programa.
   Os planos do diretor deram certo: Truman Burbank passou a ter pavor de água. No entando, o ator que vivia seu pai ficou desapontado por ter sido retirado da história e, anos mais tarde, começou a aparecer misteriosamente no cenário, provocando confusões mentais em Truman e contribuindo para que ele se aproximasse da verdadeira face de sua história.
   Numa tentativa de continuar ludibriando Truman, o diretor Christof resolve trazer de volta seu pai, com a justificativa de que ele havia perdido a memória no acidente.
   Para acalmar Truman e criar um ambiente para a chegada de seu pai, seu melhor amigo, Marlon, o leva para o lugar onde costumam tomar umas cervejas e conversar e tenta amolecer seu coração e convencê-lo de que nada de estranho está acontecendo, através do diálogo a seguir, ditado pelo diretor no ponto eletrônico do ouvido de Marlon, praticamente por inteiro:



   Truman: não sei o que pensar. Marlon. Talvez esteja enlouquecendo, mas... Parece que o mundo gira ao meu redor.
   Marlon: é muito mundo para um homem só, Truman. Não acha que é um desejo seu? Aquele desejo de ter realizado mais na vida? Ora, Truman, quem não se sentou no banheiro e teve uma entrevista imaginária no jornal das 8h? quem não quis ser alguém?
   Truman: isto é diferente. Parece que estão todos envolvidos.
   Marlon: sou seu amigo desde os sete anos, Truman. Só passamos pela escola colando um do outro nas provas. Puxa! Eram idênticas. Mas sempre me senti seguro sabendo que seja qual fosse a resposta, acertaríamos juntos...
   Truman: ou erraríamos juntos.
   Marlon: Lembra daquela vez que passei a noite acampando com você porque você quis brincar de “Pólo Norte”? Peguei pneumonia? Lembra?
   Truman: faltou na escola o mês inteiro.
   Marlon: você é como se fosse meu irmão, Truman. Sei que as coisas para nós não se realizaram da maneira como sonhamos. Conheço o sentimento de parecer que perde o controle e você não quer acreditar, aí você busca as respostas em outra parte, mas eu queria explicar que eu me meteria na frente de um ônibus por você. E a última coisa que faria é mentir pra você. Pense um pouco, Truman. Se todos estão envolvidos, eu estou também. Não estou metido nisso, porque “isso” não existe. Mas você tinha razão sobre uma coisa.
   Truman: o que?
   Marlon: o que começou tudo isso.
   Então os dois olham pra trás, e o pai de Truman aparece, em meio a um nevoeiro e andando devagar ao encontro do filho.
   Esse diálogo que antecedeu o clímax (que é a volta do pai) é um exemplo de como pode ser explorada a emoção em uma cena que consuma o telespectador.
   “Isso é clichê: símbolos tradicionais de amor, de família feliz, de prosperidade. As pessoas que assistem a essas cenas identificam-se imediatamente com elas” (FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 48). E amizade, claro, é um dos símbolos tradicionais de amor, portanto, o diálogo entre os amigos já é um exemplo de clichê.
   Vale ressaltar que, no diálogo citado anteriormente, a amizade apenas abre caminho para outro símbolo, que é o valor familiar.
   A continuação da descrição da sequência, mostra claramente o domínio que a Indústria Cultural exerce sobre o telespectador, onde o diretor é o poder extremo, controlando as emoções tanto de Truman - mais uma vez enganado - quanto de quem assiste, que se envolve sempre com mais profundidade na história do personagem.
   Marlon encerra sua participação com frases decisivas: “eu o encontrei pra você, Truman. Por isso vim aqui hoje. Ele tem muito o que contar.”
   O amigo segura o ombro de Truman num sinal de apoio e sugere: “vá até ele.”
   Truman começa a caminhar em direção ao suposto pai e o show de controle da Indústria Cultural começa a ser mostrado claramente, através do diretor Christofer, que
comanda tudo numa ilha de edição, com cortes ao vivo, instruindo a quantidade de neblina e que câmeras devem ser usadas.
   Truman se aproxima do pai e diz: eu nunca deixei de acreditar.
   Christofer: abra. Câmera oito lateral.
   Kirk, chorando, diz: meu filho. E o abraça.
   Assitente: damos um close-up?
   Christofer: não, não. Fique atrás. Música. Agora dê o close-up.
   Kirk: todos esses anos desperdiçados. Vou compensar. Eu juro.
   Christofer comanda o volume da música, como um maestro, enquanto a imagem aproxima-se cada vez mais do rosto emocionado de Truman, que diz: pai. E os produtores todos comemoram, enquanto o mundo se emociona e vai às lágrimas junto com o personagem.
   Uma amostra clara de como funciona o domínio exercido pela Indústria Cultural no telespectador, que funciona como uma marionete, envolvido num clichê, exatamente da forma como pretendia e planejou o diretor do show.
   Pessoas pelo mundo todo se abraçam e comemoram por Truman o momento de reencontro em sua vida, mesmo sabendo que na verdade ele só está sendo mais uma vez enganado. Que o momento de felicidade pelo qual está passando não é real.
   Dominados pela indústria cultural, os telespectadores ignoram o fato de que Truman é uma pessoa presa numa história falsa por trinta anos, que tem o direito de saber a verdade. As pessoas estão tão envolvidas com o entretenimento, com aquele personagem presente em suas casas 24 horas por dia, que perdem a percepção da realidade, se deixando dominar completamente.
   Esse controle, assim como a ausência de capacidade crítica das pessoas submetidas às mensagens dos meios de comunicação, são as principais características da indústria cultural. E é exatamente esse sistema de controle que “condiciona, evidentemente, de uma forma total, o tipo e a função do processo de consumo e a sua qualidade” (WOLF, 2002, p. 85). Ela envolve emocionalmente as pessoas não só como telespectadores, mas como consumidores também, que consomem não só a chamada mercadoria cultural, mas consomem igualmente o que é vendido através dela.

3.3. Propagandas

   Primeiramente, deve ser explicado que merchandising é uma ação que promove produtos em pontos de venda e espaços editoriais, como televisão, mídia impressão e outros. A autora prefere referir-se a merchandising ou qualquer outro tipo de anúncio como “propaganda” por ser um termo mais abrangente e de mais fácil compreensão.
   No filme, a indução ao consumo provocada pela indústria cultural também é abordada.
   Como já foi explicado anteriormente, a principal fonte de renda do Show de Truman são os produtos do programa, pois todos os artigos (de casas à roupas, passando por alimentos) estão à venda em catálogos.
   No entanto, só o fato de existirem no programa não são suficientes para divulgação. Alguns produtos recebem uma exposição diferenciada, feita através de cartazes de propaganda por toda Seahaven ou divulgados diretamente pelos atores, camuflando um produto e suas funções em falas dos atores.
   Todo dia, por exemplo, quando Truman caminha da banca de revista para a empresa de seguros em que trabalha, encontra uma dupla de gêmeos que, com o disfarce de conversar amenidades, o encostam em um cartaz, que cada momento exibe uma propaganda diferente.



   Sua esposa é a principal responsável pela divulgação. O que pode ser comprovado nas descrições a seguir, de algumas cenas:
   Ainda no começo do filme, enquanto Truman cuida do jardim, sua mulher chega do trabalho e se dirige a ele:



   Meryl: oi, querido. Olhe o que ganhei de brinde (mostra o produto). Tem mil utilidades. Ela pica, rala, descasca, tudo. Nunca precisa ser afiada. Pode ir na lavadora automática.
   Truman: nossa! Incrível!
   Na cena sequinte, Truman está jogando golfe, bebendo cerveja e conversando com seu melhor amigo.
   Logo no início da cena, Marlon dá um gole na latinha e dirige-se à câmera: isso é que é cerveja. Mostrando o rótulo do produto.



   Em outro momento do filme, Truman está no porão, olhando fotos e relembrando do seu pai desaparecido, que ele pensa ter visto na rua neste mesmo dia, quando sua esposa chega:


  
   Meryl: Truman, o que veio fazer aqui?
   Truman: vim consertar o cortador de grama. Vi meu pai hoje.
   Meryl: eu sei. Sua mãe ligou. Você não devia aborrecê-la.
   Truman: queria... O que você queria?
   Meryl: fiz macarrão.
   Truman: não estou com fome.
   Meryl: devia jogar esse cortador fora. Compre um tipo “Elk Rotaries”.
   E então Meryl se retira, deixando o marido novamente absorto em sua memórias.
   Meryl também faz propaganda em um dos ápices do filme, quando Truman já se encontra completamente desconfiado do contexto em que vive e sua esposa tenta mudar de foco a visão do esposo, mas acaba contribuindo ainda mais para sua desconfiança, exatamente em função do momento inapropriado para a exposição do produto:



   Meryl: precisa de ajuda, Truman. Você não está bem.
   Truman: por que quer ter um filho comigo? Você me detesta.
   Meryl: não é verdade. Por que não prepara um chocolate quente? Mococoa-grãos naturais, do alto do Monte Nicarágua. Sem adoçantes artificiais.
   Truman: do que você está falando? Com quem está falando?
   Meryl: experimentei vários. Este é o melhor.
   Truman: que diabos isto tem a ver com tudo? Diga o que está acontecendo!
   Meryl: você está tendo um colapso nervoso. É isto que está acontecendo.
   Truman: você faz parte do jogo, não?
   Meryl: você está me assustando.
   Truman: não, você está me assustando, Meryl. O que você vai fazer? Me picar, fatiar e cortar? Mil utilidades!
   Então Meryl pede ajuda para a câmera, aumentando ainda mais as desconfianças de Truman.
   A maneira como o filme aborda essas propagandas é uma demonstração talvez um pouco exagerada do efeito buscado pela indústria cultural objetivando a comercialização.
   O principal foco do show é a história de Truman, mas na verdade essa é uma maneira oculta de ganhar dinheiro. A maior função do programa não é entreter, não é levar cultura ao telespectador. É induzir as pessoas a desejarem aquele estilo de vida e, consequentemente, gastarem dinheiro com os produtos mostrados de forma camuflada no decorrer do programa.
   De acordo com Mário Wolf, tudo que a indústria cultural:
   Comunica foi organizado por ela própria com o objetivo de seduzir os espectadores a vários níveis psicológicos, simultaneamente. Com efeito, a mensagem oculta pode ser mais importante do que a que se vê, já que aquela escapará ao controle da consciência, não será impedida pelas resistências psicológicas aos consumos e penetrará provavelmente no cérebro dos espectadores.
(WOLF, 2002, p. 90)

   Ou seja, por mais que a prioridade seja a abordagem da vida de Truman, o efeito que uma propaganda embutida no programa faz no telespectador pode ser muito mais eficaz, pois ela vai atingir o subconsciente do consumidor, de forma que ele se encontrará despido de resistências, levando ao sucesso da sedução buscada pelo produto.
   Os cartazes espalhados por Seahaven, as marcas de produtos utilizadas, a maneira de se vestir, tudo isso ficará incutido na mente da massa que, por sua vez, já não costuma controlar muito as interpretações feitas pelo que a televisão mostra. E não por vontade própria, mas sim por enquadrar-se no que a indústria cultural quis e planejou, deixando-se controlar ainda que sem perceber.
   É importante salientar que os responsáveis pela comercialização tem total domínio dos seus objetivos e conhecimento da massa com a qual está lidando. De forma que:
   A publicidade atua sobre a estrutura de necessidades de uma sociedade. Outrora se consideravam as necessidades instintivas mais importantes que as necessidades sociais. Com o aumento do investimento nas necessidades simbólicas começou-se, porém, a questionar a validade da secundarização das necessidades sociais e atuais.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 78)

   Necessidades instintivas incluem itens como alimento, água e segurança, por exemplo. Tais necessidades eram priorizadas. No entanto, atualmente existe uma inversão desse quadro, onde as necessidades sociais (status, respeito, auto-estima) são colocadas à frente, numa tentativa das pessoas se inserirem num contexto do qual, na maioria das vezes, não fazem parte. E não fariam ainda que conseguissem adquirir a maioria dos produtos no catálogo de Show de Truman, por exemplo. Pois uma família humilde do subúrbio vai continuar sendo uma família humilde do subúrbio, ainda que tenha conseguido comprar o mesmo aparelho de TV que o presidente da república usa pra assistir jornal.
   No entanto, o que a mídia passa é que as pessoas vão ser um pouco mais nobres se adquirirem esses produtos. Estão vendendo, na realidade, estilo de vida.
   Meryl tenta vender não o achocolatado do alto do Monte Nicarágua, mas sim sua vida feliz com Truman. Quem adquire esse produto, não é com a intenção de tornar seu leite mais gostoso, e sim com a intenção de levar mais felicidade à sua vida, por exemplo.
   Pode-se dizer que antigamente a função da publicidade era realmente vender produtos. Entretanto, a indústria cultural transformou essa função, que passou a ser demonstrar modelos a serem seguidos. E vender produtos através das tentativas das pessoas de inserir-se nos tais modelos demonstrados:
   Em resumo, concluímos então que a publicidade trabalha através da promoção de puras aparências: não se compram mercadorias por suas qualidades inerentes nem pelo seu valor de uso, mas pela imagem que o produto veicula no ambiente de vida do consumidor. Nenhuma dessas mercadorias realiza de fato o que promete, isto é, nenhum cigarro propicia aventuras, nenhum carro traz vida luxuosa, nenhum uísque conquista mulheres. Em todos esses casos, o produto é inteiramente secundário: as pessoas são seduzidas por alguma coisa que está fora e muito além dele.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 80)

   Como já foi dito: o produto possui uma representação que ultrapassa a sua função prática. E as pessoas não procuram consumi-lo pela sua utilidade em si, e sim pelo que podem conseguir por possuir o produto. Ou como podem se sentir por isso:
   Não obstante, o objeto simboliza para o consumidor uma síntese daquela vida. Adquirir uma roupa, um perfume, uma jóia, significa pertencer àqueles ambientes, participar de rodas elegantes e de vanguarda. Por isso, os objetos promovidos pela publicidade de televisão revestem-se de muita sensualidade: são símbolos do desejável, de algo que o simples acariciar provoca prazer...
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 80)

   É exatamente pela sutileza dos detalhes no momento de persuadir o consumidor, e pela delicadeza e dedicação que tal atividade envolve, que a indústria cultural deve exercer um trabalho tão preciso.
   A Teoria Crítica defende a certeza de que a mensagem elaborada pela indústria cultural vai atingir o público da maneira como foi pensada. Não há meios que o façam parar, interpretar e seguir um caminho diferente do que foi mostrado pela mídia.
   Quanto mais cruel se mostra a realidade da vida moderna, o telespectador vai ter menos motivos para não acreditar na ilusão vendida pela televisão.
   Adorno e Horkheimer disseram que
   Seria inútil esperar que a pessoa, contraditória e decadente em si mesma, não possa durar gerações, que, nesta cisão psicológica, o sistema deva mudar e que a falsa substituição do individual pelo estereótipo deva tornar-se intolerável para os homens
(HORKHEIMER – ADORNO apud WOLF, 2002, p. 92)

   Ou seja, eles explicam claramente o quão inútil seria esperar uma reação por parte das pessoas. Que, após anos de comodismo psicológico, o ser humano não vai começar a achar inaceitável que sua individualidade tenha sido substituída por estereótipos.
   No entanto, o trecho final do filme Show de Truman nos leva a analisar essa afirmação e questionar sua validade.

3.4. Reação

   Durante todo o programa, como foi mostrado neste estudo, cada passo do filme correspondia fielmente às propostas da indústria cultural. Show de Truman montou-se de clichês, signos, estereótipos e linguagens persuasivas que envolveram o público do mundo inteiro, comovidos e presos à televisão todos os dias, sofrendo e tendo alegrias junto com o primeiro personagem adotado pela mídia. E assim fechou os olhos para a enganação na qual ele vivia, em prol do entretenimento e da fuga de suas realidades.
   Mas chegou um momento em que a enganação não foi adiante, e Truman resolveu fugir a qualquer custo. Ludibriou as câmeras, tapeou o elenco inteiro e conseguiu pegar um barco, vencer o medo de água, entrar no mar e velejar sem destino. Ou melhor, em busca do seu destino.
   Após mobilizar todo o elenco em Seahaven à procura de Truman, em vão, o diretor Christofer consegue vê-lo na água.



   A partir desse momento, retoma a transmissão, que havia sido cortada, e tenta prendê-lo ao programa, numa tentativa que pode custar sua vida.
   As pessoas param suas vidas para acompanhar as cenas seguintes e tem início o maior desafio da vida de Truman:
   Christofer: saia deste ângulo. Não vemos o rosto dele. Vá à da cabine.
   Mostra Truman velejando.
   Christofer: pronto. Perfeito. O rosto do nosso herói. Mandemos outro barco para lá.
   Assistente de produção: ei, Gus. Preciso falar com o pessoal da balsa.
   Muda a cena para um barco, com outra equipe de funcionários, onde um deles diz: sou motorista de ônibus, explicando que não sabe dirigir um barco. E um outro assistente responde à solicitação da equipe: não sabem manejar a balsa. São atores!
    Alguém pergunta a Christofer: como o paramos? E é então que ele toma as decisões mais drásticas.
   Assistente de produção: entraremos no programa de tempo agora, portanto, segurem-se. Entendido? Vamos concentrar o mau tempo sobre o barco. Pegue as coordenadas.
   Outra assistente alerta Christofer: não há barco de resgate. Ele não saberá o que fazer.
   Christofer: ele voltará. Terá muito medo.
   Assistente de produção: lá vai.
   E desce o mau tempo sobre o barco de Truman., que começa a lutar para se manter à bordo.
   Christofer: quero relâmpagos. De novo! Mais uma vez!
   Truman cai do barco e um homem alerta o diretor mais uma vez: o mundo todo assiste! Não podemos deixá-lo morrer ao vivo!
   Christofer: seu nascimento foi transmitido ao vivo.
   Truman tenta a todo custo retornar ao barco e o mundo, que já estava parado em sua função, torce para que ele consiga.
   Truman: é o melhor que pode fazer? Terá que me matar!
   Exigem de Christofer que ele pare a transmissão, mas ele manda continuar. E ordena que aumente o vento e tombe o barco.
   O funcionário se recusa a cumprir a ordem do diretor, pois Truman se amarrou ao barco, o que pode ser fatal, mas Christofer mesmo faz com que tombe.
   Truman cai desacordado na água. O diretor indica que já chega, cessa a chuva e devolve o sol.
   O protagonista tenta recompor-se, enquanto todos assistem perplexos. Mas ele consegue, se senta no barco e continua seu caminho, até ser barrado pelo fim do cenário.
   Truman sai do barco e bate no cenário, aos prantos, até perceber que existe um caminho, que o leva a uma escada. E essa escada acaba na porta de saída.
   Ele abre a porta e o diretor o chama:
   Christofer: Truman, você pode falar. Eu posso ouvi-lo.
   Truman: quem é você?
   Christofer: sou o criador do show de televisão que dá esperança, alegria e inspiração a milhões.
   Truman: então quem sou eu?
   Christofer: você é o astro.
   Truman: nada foi real?
   Christofer: você era real. Por isso gostam de assisti-lo. Ouça, Truman. Lá fora, a verdade é igual à do mundo que criei para você. As mesmas mentiras. As mesmas decepções. Mas no meu mundo você não tem nada a temer. Nem você se conhece tão bem quanto eu.
   Truman: nunca teve uma câmera na minha cabeça!
   Christofer: está com medo. Por isso não pode sair. Tudo bem, truman, eu entendo. Acompanhei a sua vida toda. Vi quando você nasceu. Estava assistindo quando deu seu primeiro passo. E no seu primeiro dia de escola. O capítulo que perdeu seu primeiro dente.
   Não pode partir, Truman. Seu lugar é aqui. Comigo. Fale comigo. Diga algo. Diga alguma coisa, droga!      Você está na televisão! Ao vivo para o mundo inteiro!
   É mostrado novamente todas as pessoas ao longo do mundo, estáticas, esperando a reação de Truman.
   Truman: caso não os veja novamente, uma boa tarde e uma boa noite.
   Então Truman deixa o programa e o mundo explode em comemoração, mostrando que não reagem apenas de acordo com o programado e esperado pelo diretor.
   Eles viram por si próprio que o mais apropriado era a saída de Truman do show, ainda que isso fosse interromper seu entretenimento e deixar vazias essas horas que foram ocupadas pelo personagem durante trinta anos.
   Adorno e Horkheimer disseram anteriormente que seria inútil esperar uma reação do público. No entanto, se os telespectadores fossem continuar correspondendo às espectativas do diretor Christofer, eles deveriam torcer junto com ele para que Truman não deixasse o show, não tentasse conhecer a realidade além dessa onde ele foi criado. Deveriam torcer para que o personagem continuasse ali preso, levando às casas distração e alimentando nas pessoas a fuga de sua realidade e o desejo de ter um pouco do estilo de vida de Truman.
   Torcendo dessa forma, o público se enquadraria no que foi dito e previsto pelos dois estudiosos.
   Porém, reagindo de uma forma diferente da que Adorno e Horkheimer descreveram, a massa nos leva a crer que existe um momento em que ela não se deixa manipular completamente. Nos leva a crer que ela também faz suas escolhas, além das opções que a mídia forneceu e, conseqüentemente, que a sociedade mostrada e estudada através da Teoria Crítica talvez tenha mudado.
   O filme é uma representação clara da evolução da Teoria Crítica. Ele mostra que a sociedade vinha se enquadrando dentro do esperado e planejado pela indústria cultural, durante anos, mas teve um momento em que ela fugiu dessa manipulação, torcendo contra o desejo da mídia.

4. Conclusão

    Com a chegada da televisão, as mudanças na sociedade passaram a ser notórias e inegáveis.
   Ela se mostrou um veículo facilitador: imagens prontas, rápida assimilação do conteúdo, não havia necessidade de um raciocínio mais elaborado ou um esforço maior para compreender o que estava sendo transmitido.
   Esforços físicos também não eram necessários, pois do conforto do sofá era possível desfrutar a programação. Não era preciso gastar dinheiro, escolher horários, procurar companhia ou se arrumar.
   Bastava que o telespectador disponibilizasse um pouco do seu tempo, o que também não era um empecilho, já que as horas de trabalho ou a vida enfadonha já eram motivos suficientes pra sentar na frente da TV e sonhar um pouco com uma realidade bem mais bonita e também bem mais distante da que as pessoas viviam.
   Com tanto destaque dentro dos lares, logicamente as mudanças trazidas não poderiam ser ignoradas. De forma que os estudos sociais começaram a se voltar também para esse meio de comunicação, que se tornou mais presente nos lares até mesmo que as esposas ou maridos.
   Em meio a essas mudanças, existia na Alemanha um lugar onde estudiosos dedicavam seu tempo à compreensão das dinâmicas societárias. Era a Escola de Frankfurt. De onde, através de estudiosos como Horkheimer e Adorno, nasceu a Teoria Crítica e o conceito como cultura de massa e indústria cultural.
   A Teoria Crítica mostrou que as pessoas estavam se sujeitando às vontades dos meios de comunicação. Que não determinavam apenas o que eles iam assistir, mas, através do universo ilusório da televisão, determinavam também seu comportamento e, principalmente, seus hábitos de consumo.
   Assim como os estudos citados anteriormente, ao longo dos anos surgiram vários meios de abordar esse tema. Um deles foi o filme “Show de Truman – O Show da Vida”, que mostra claramente cada passo do planejamento da mídia a fim de manipular o telespectador:
   Primeiro podemos apontar os estereótipos, que são representações exageradas dos tipos aos quais os telespectadores já estão acostumados, para provocar identificação.
   O filme se cerca de elementos conhecidos pelo público, que o prendem ao contexto, despertando identificação.
   É o vizinho simpático, a esposa dedicada, a cidade invejável... Características presentes na vida de Truman e desejadas pelo telespectador.
   Depois, podemos citar os signos e os clichês. Os primeiros servem para abrandar situações que poderiam ser chocantes, e assim amenizar o desgaste diário ao qual as pessoas já estão acostumadas, proporcionando uma fuga de suas realidades.
   Os medos e dificuldades que Truman enfrentou ao longo da vida não abordaram nada que pudesse assustar o público, atrapalhando sua vontade de acompanhar o programa.
   Já os clichês são usados pela mídia para potencializar as emoções do público, levando-o a momentos de extrema alegria ou tristeza e envolvendo-o ainda mais na história.
   O grande clichê utilizado pelo diretor Christofer em Show de Truman foi o retorno de seu pai à história, em meio a características como presença do melhor amigo, neblina, palavras marcantes e abraço forte. Tudo minuciosamente elaborado para que as pessoas se prendessem cada vez mais à história, esquecendo-se de refletir a respeito e enxergar a manipulação exercida sobre eles mesmos.
   Todo esse universo é delicadamente construído para que as pessoas queiram tanto fugir da meio em que vivem, que sintam necessidade de consumir o estilo de vida mostrado através do aparelho televisivo.
   No filme, cada item do cenário era vendido, de forma que o intuito maior do programa não era entreter, e sim obter lucros. Isso é a indústria cultural. O fato de entreter é apenas um pretexto para vender, para seduzir as pessoas ao consumo.
   Durante o programa Show de Truman, personagens faziam exposição de produtos explicitamente ou de forma camuflada. Essa era mais uma forma de apontar características dos meios de comunicação de massa.
   O diretor Christofer representa muito bem o quanto as pessoas que elaboram a indústria cultural acreditam no poder que exercem. Pois ele age com total conhecimento do que está fazendo e plena consciência dos resultados que iria obter.
   As pessoas funcionavam como uma esponja, que apenas absorve o conteúdo passado, sem nenhum filtro.   Elas recebem a informação e respondem exatamente da forma como a mídia planejou.
   Horkheimer e Adorno chegaram, inclusive, a afirmar que era inútil esperar que as pessoas reagissem a esse sistema da mídia, pois elas já estavam psicologicamente acostumadas à manipulação.
   No entanto, o filme nos leva a questionar essa última afirmação. Pois durante todo ele os telespectadores vinham correspondendo exatamente ao que o diretor planejava. No entanto, no momento decisivo do show, eles discordaram de Christofer, torcendo a favor de que Truman deixasse o programa.
   Caso tivessem correspondido às intenções da indústria cultural, representada pelo papel do diretor, as pessoas teriam torcido e desejado que Truman continuasse preso naquela farsa, sem deixar de levar entretenimento às suas casas. E permitindo cada vez mais que eles fugissem de suas realidades.
   Porém, o telespectador não se enquadrou no esperado, negando a afirmação de Adorno e Horkheimer, agindo de uma maneira diferente da que a mídia determinou que eles devessem agir.
   Show de Truman, então, nos mostra que, por mais completa que a Teoria Crítica seja e por mais que ela nos mostre o comportamento da mídia em relação ao telespectador, e vice-versa, não é uma verdade absoluta.
   O filme nos leva a crer que as pessoas podem, sim, pensar por si mesmas e tomar um caminho diferente do que a indústria cultural determinou, se safando do poder de manipulação

5. Referências Bibliográficas

FALCÃO, Adriana. Pequeno Dicionário de Palavras ao Vento. 2. ed. São Paulo: Planeta, 2005.
FILHO, Ciro Marcondes. Televisão: A Vida Pelo Vídeo.13. ed. São Paulo: Moderna, 1996.
SHOW DE TRUMAN: O Show da Vida, Peter Weir, 1998. 103min. son. collor. 35mm.
O que é a Escola de Frankfurt
Disponível em < http://pessoal.portoweb.com.br/jzago/frankfurt.htm>
Acessado em 03/12/2008
WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. 7. ed. Lisboa: Editorial Presença, 2002