3.3. Propagandas

   Primeiramente, deve ser explicado que merchandising é uma ação que promove produtos em pontos de venda e espaços editoriais, como televisão, mídia impressão e outros. A autora prefere referir-se a merchandising ou qualquer outro tipo de anúncio como “propaganda” por ser um termo mais abrangente e de mais fácil compreensão.
   No filme, a indução ao consumo provocada pela indústria cultural também é abordada.
   Como já foi explicado anteriormente, a principal fonte de renda do Show de Truman são os produtos do programa, pois todos os artigos (de casas à roupas, passando por alimentos) estão à venda em catálogos.
   No entanto, só o fato de existirem no programa não são suficientes para divulgação. Alguns produtos recebem uma exposição diferenciada, feita através de cartazes de propaganda por toda Seahaven ou divulgados diretamente pelos atores, camuflando um produto e suas funções em falas dos atores.
   Todo dia, por exemplo, quando Truman caminha da banca de revista para a empresa de seguros em que trabalha, encontra uma dupla de gêmeos que, com o disfarce de conversar amenidades, o encostam em um cartaz, que cada momento exibe uma propaganda diferente.



   Sua esposa é a principal responsável pela divulgação. O que pode ser comprovado nas descrições a seguir, de algumas cenas:
   Ainda no começo do filme, enquanto Truman cuida do jardim, sua mulher chega do trabalho e se dirige a ele:



   Meryl: oi, querido. Olhe o que ganhei de brinde (mostra o produto). Tem mil utilidades. Ela pica, rala, descasca, tudo. Nunca precisa ser afiada. Pode ir na lavadora automática.
   Truman: nossa! Incrível!
   Na cena sequinte, Truman está jogando golfe, bebendo cerveja e conversando com seu melhor amigo.
   Logo no início da cena, Marlon dá um gole na latinha e dirige-se à câmera: isso é que é cerveja. Mostrando o rótulo do produto.



   Em outro momento do filme, Truman está no porão, olhando fotos e relembrando do seu pai desaparecido, que ele pensa ter visto na rua neste mesmo dia, quando sua esposa chega:


  
   Meryl: Truman, o que veio fazer aqui?
   Truman: vim consertar o cortador de grama. Vi meu pai hoje.
   Meryl: eu sei. Sua mãe ligou. Você não devia aborrecê-la.
   Truman: queria... O que você queria?
   Meryl: fiz macarrão.
   Truman: não estou com fome.
   Meryl: devia jogar esse cortador fora. Compre um tipo “Elk Rotaries”.
   E então Meryl se retira, deixando o marido novamente absorto em sua memórias.
   Meryl também faz propaganda em um dos ápices do filme, quando Truman já se encontra completamente desconfiado do contexto em que vive e sua esposa tenta mudar de foco a visão do esposo, mas acaba contribuindo ainda mais para sua desconfiança, exatamente em função do momento inapropriado para a exposição do produto:



   Meryl: precisa de ajuda, Truman. Você não está bem.
   Truman: por que quer ter um filho comigo? Você me detesta.
   Meryl: não é verdade. Por que não prepara um chocolate quente? Mococoa-grãos naturais, do alto do Monte Nicarágua. Sem adoçantes artificiais.
   Truman: do que você está falando? Com quem está falando?
   Meryl: experimentei vários. Este é o melhor.
   Truman: que diabos isto tem a ver com tudo? Diga o que está acontecendo!
   Meryl: você está tendo um colapso nervoso. É isto que está acontecendo.
   Truman: você faz parte do jogo, não?
   Meryl: você está me assustando.
   Truman: não, você está me assustando, Meryl. O que você vai fazer? Me picar, fatiar e cortar? Mil utilidades!
   Então Meryl pede ajuda para a câmera, aumentando ainda mais as desconfianças de Truman.
   A maneira como o filme aborda essas propagandas é uma demonstração talvez um pouco exagerada do efeito buscado pela indústria cultural objetivando a comercialização.
   O principal foco do show é a história de Truman, mas na verdade essa é uma maneira oculta de ganhar dinheiro. A maior função do programa não é entreter, não é levar cultura ao telespectador. É induzir as pessoas a desejarem aquele estilo de vida e, consequentemente, gastarem dinheiro com os produtos mostrados de forma camuflada no decorrer do programa.
   De acordo com Mário Wolf, tudo que a indústria cultural:
   Comunica foi organizado por ela própria com o objetivo de seduzir os espectadores a vários níveis psicológicos, simultaneamente. Com efeito, a mensagem oculta pode ser mais importante do que a que se vê, já que aquela escapará ao controle da consciência, não será impedida pelas resistências psicológicas aos consumos e penetrará provavelmente no cérebro dos espectadores.
(WOLF, 2002, p. 90)

   Ou seja, por mais que a prioridade seja a abordagem da vida de Truman, o efeito que uma propaganda embutida no programa faz no telespectador pode ser muito mais eficaz, pois ela vai atingir o subconsciente do consumidor, de forma que ele se encontrará despido de resistências, levando ao sucesso da sedução buscada pelo produto.
   Os cartazes espalhados por Seahaven, as marcas de produtos utilizadas, a maneira de se vestir, tudo isso ficará incutido na mente da massa que, por sua vez, já não costuma controlar muito as interpretações feitas pelo que a televisão mostra. E não por vontade própria, mas sim por enquadrar-se no que a indústria cultural quis e planejou, deixando-se controlar ainda que sem perceber.
   É importante salientar que os responsáveis pela comercialização tem total domínio dos seus objetivos e conhecimento da massa com a qual está lidando. De forma que:
   A publicidade atua sobre a estrutura de necessidades de uma sociedade. Outrora se consideravam as necessidades instintivas mais importantes que as necessidades sociais. Com o aumento do investimento nas necessidades simbólicas começou-se, porém, a questionar a validade da secundarização das necessidades sociais e atuais.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 78)

   Necessidades instintivas incluem itens como alimento, água e segurança, por exemplo. Tais necessidades eram priorizadas. No entanto, atualmente existe uma inversão desse quadro, onde as necessidades sociais (status, respeito, auto-estima) são colocadas à frente, numa tentativa das pessoas se inserirem num contexto do qual, na maioria das vezes, não fazem parte. E não fariam ainda que conseguissem adquirir a maioria dos produtos no catálogo de Show de Truman, por exemplo. Pois uma família humilde do subúrbio vai continuar sendo uma família humilde do subúrbio, ainda que tenha conseguido comprar o mesmo aparelho de TV que o presidente da república usa pra assistir jornal.
   No entanto, o que a mídia passa é que as pessoas vão ser um pouco mais nobres se adquirirem esses produtos. Estão vendendo, na realidade, estilo de vida.
   Meryl tenta vender não o achocolatado do alto do Monte Nicarágua, mas sim sua vida feliz com Truman. Quem adquire esse produto, não é com a intenção de tornar seu leite mais gostoso, e sim com a intenção de levar mais felicidade à sua vida, por exemplo.
   Pode-se dizer que antigamente a função da publicidade era realmente vender produtos. Entretanto, a indústria cultural transformou essa função, que passou a ser demonstrar modelos a serem seguidos. E vender produtos através das tentativas das pessoas de inserir-se nos tais modelos demonstrados:
   Em resumo, concluímos então que a publicidade trabalha através da promoção de puras aparências: não se compram mercadorias por suas qualidades inerentes nem pelo seu valor de uso, mas pela imagem que o produto veicula no ambiente de vida do consumidor. Nenhuma dessas mercadorias realiza de fato o que promete, isto é, nenhum cigarro propicia aventuras, nenhum carro traz vida luxuosa, nenhum uísque conquista mulheres. Em todos esses casos, o produto é inteiramente secundário: as pessoas são seduzidas por alguma coisa que está fora e muito além dele.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 80)

   Como já foi dito: o produto possui uma representação que ultrapassa a sua função prática. E as pessoas não procuram consumi-lo pela sua utilidade em si, e sim pelo que podem conseguir por possuir o produto. Ou como podem se sentir por isso:
   Não obstante, o objeto simboliza para o consumidor uma síntese daquela vida. Adquirir uma roupa, um perfume, uma jóia, significa pertencer àqueles ambientes, participar de rodas elegantes e de vanguarda. Por isso, os objetos promovidos pela publicidade de televisão revestem-se de muita sensualidade: são símbolos do desejável, de algo que o simples acariciar provoca prazer...
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 80)

   É exatamente pela sutileza dos detalhes no momento de persuadir o consumidor, e pela delicadeza e dedicação que tal atividade envolve, que a indústria cultural deve exercer um trabalho tão preciso.
   A Teoria Crítica defende a certeza de que a mensagem elaborada pela indústria cultural vai atingir o público da maneira como foi pensada. Não há meios que o façam parar, interpretar e seguir um caminho diferente do que foi mostrado pela mídia.
   Quanto mais cruel se mostra a realidade da vida moderna, o telespectador vai ter menos motivos para não acreditar na ilusão vendida pela televisão.
   Adorno e Horkheimer disseram que
   Seria inútil esperar que a pessoa, contraditória e decadente em si mesma, não possa durar gerações, que, nesta cisão psicológica, o sistema deva mudar e que a falsa substituição do individual pelo estereótipo deva tornar-se intolerável para os homens
(HORKHEIMER – ADORNO apud WOLF, 2002, p. 92)

   Ou seja, eles explicam claramente o quão inútil seria esperar uma reação por parte das pessoas. Que, após anos de comodismo psicológico, o ser humano não vai começar a achar inaceitável que sua individualidade tenha sido substituída por estereótipos.
   No entanto, o trecho final do filme Show de Truman nos leva a analisar essa afirmação e questionar sua validade.

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