1. A Televisão como Meio de Transformação da Sociedade

   Primeiro surgiu o homem. Com o passar do tempo, esse mesmo homem criou várias formas de representá-lo. Formas que mais tarde viriam afetar a ele mesmo.
   Durante anos a pintura representativa foi a melhor forma de reproduzir o ser humano. Até que, em 1831, chegou a fotografia para revolucionar a arte e mudar o sentido da pintura de retratos. O que, provavelmente, até então não se podia imaginar, é que a fotografia era apenas o marco inicial dos veículos que transformariam a sociedade.
   Ela traria o filme, instrumento que levaria ao vídeo, ao cinema e, por último, à televisão.
   Em março de 1935 foi realizada oficialmente a primeira transmissão de televisão na Alemanha. Oito meses depois, em novembro, aconteceu a primeira transmissão na França e em 1936 a BBC (British Broadcasting Corporation), que já era emissora de rádio, passou a ser de televisão também; mais de cem anos após o surgimento da fotografia e menos de 50 anos após a chegada do cinema.
   Com a chegada da televisão, houve uma inversão de fatores:
   Enquanto na fotografia o sujeito escolhe os detalhes que mais o interessam, na televisão eles são escolhidos para as pessoas, e isso acarreta grandes perdas: o direito de escolha e da livre concentração, além de serem impostas as cenas que interessam principalmente ao realizador do programa e ao patrocinador
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 13)
   Foi com a facilidade das mensagens prontas e de rápida assimilação que a TV se instalou nos lares. Ela já traz a mensagem concluída: a imagem é mostrada de maneira completa e pronta para ser digerida, sem maiores interpretações. O telespectador não tem o que escolher, não precisa de muito para entender, não precisa buscar nada. Antes que ele o tente, a imagem já se foi.
   Pode-se dizer que, ao passo em que a televisão foi se consolidando, o cinema passou a representar o intermédio entre ela e a fotografia, pois:
   Os filmes (não todos) permitem que o espectador observe os detalhes quando a edição (montagem) ou filmagem tiver se detido mais tempo sobre um objeto. É preciso que haja um retardamento da imagem para que o espectador possa percorrer por si mesmo os vários ângulos, como se estivesse observando uma fotografia. Retardamento aqui significa lentidão, morosidade na fixação da câmera em alguns objetos para permitir ao público a emoção, a reflexão, o aprofundamento da cena
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 17)
   O filme, o cinema, trabalha com possibilidades, tem mais liberdade que a televisão. Ele pode optar por mais ação, assim como se ater a trechos e imagens, instigando o raciocínio de quem o assiste. Ele pode também, como já foi citado, “retardar” uma imagem pelo tempo que for necessário. Enquanto na televisão isso não seria útil. Essa possibilidade da vagareza no tratamento com o telespectador da qual o cinema dispõe não se encaixa na indústria comercial que a TV chegou para formar. Se a pessoa parar pra absorver uma mensagem, provavelmente ela não cause exatamente o efeito calculado por quem a criou, por isso a edição de TV costuma ser mais dinâmica que a edição de cinema.
   Um dos motivos para o cinema ir perdendo a popularidade e deixando de ser o meio de comunicação preferido pelas pessoas foi, portanto, toda essa facilidade que o veículo televisivo trouxe:
   A televisão começou a se expandir rapidamente após o final da Segunda Guerra Mundial. Na época, o cinema monopolizava o público noturno, e o rádio era um meio de comunicação de ampla penetração no cotidiano dos lares. A televisão poderia ser vista, em termos de comunicação, mais próxima do rádio do que do cinema. Para se assistir a um filme era preciso organizar-se. Como no teatro, no balé, era preciso acompanhar o programa daquela semana, escolher uma noite para sair e vestir-se adequadamente. Cinema era um acontecimento social como o baile, pois mantinha o caráter de excepcionalidade: tratava-se de um programa diferente daquele que normalmente se fazia à noite.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 17)
   Já com a televisão, não havia essa necessidade. O próprio veículo fazia a programação. As pessoas não precisavam nem escolher os horários, porque eles já estavam pré-determinados. Elas só precisavam lembrar e disponibilizar seu tempo. Mas sem sair de casa, sem gastar dinheiro, sem precisar se arrumar ou convidar alguém. Bastava ela se acomodar na frente do aparelho e o conteúdo já estaria disponível.
   O rádio já tinha apresentado a rádio novela, portanto, quando a novela chegou com imagens, já haviam pessoas que mantinham o hábito de acompanhar algo que retratava uma realidade que não era a sua, uma realidade bem mais ilusória. Carregada de imagens, a novela tornou-se bem mais encantadora, atraiu bem mais. Facilitando assim a transformação do conteúdo em produto. O estilo de vida reproduzido nas telenovelas eram desejados, e, consequentemente, vendidos.
   E foi assim que a relação com o meios de comunicaçãos começou a mudar. O rádio e a televisão trouxeram abordagens diferentes:
   Primeiro, porque, além de distrair, são veículos que informam as pessoas e funcionam como meio de atualização; segundo, porque vão até a casa das pessoas, em vez de as pessoas irem até eles; terceiro, porque tornam-se „da família‟, são cotidianos e tem recepção regular e contínua.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 19)
   Juntamente com essa mudança e devido ao fato da TV colocar-se tão próxima quanto qualquer membro da família, o comportamento dentro de casa também começou a mudar: as pessoas passaram a se isolarem bem mais, conversarem menos, suas relações diretas passaram a ser com o aparelho, não mais com os outros telespectadores.
   Tal acontecimento deve-se ao fato do relacionamento com a televisão ser bem mais fácil. O público se sente inserido num contexto que não é o dele - mas é bem melhor - e sem necessidade de interagir. Eles tem a companhia dos apresentadores, dos atores, “não precisam responder (basta ouvir o que a TV fala), e tem o controle total da ação (podem decidir se querem ou não o contato)” (FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 22). É uma relação bem mais objetiva e bem menos desgastante.
   A televisão não busca romper padrões ou estereótipo, ao contrário, ela assume duas posturas: ou tenta reafirmar o que o telespectador já acredita, trabalhar em cima disso; ou impõe de forma sutil a sua mensagem, massifica e estipula o pensamento de quem a assiste.
   Isso não quer dizer que ela não possa inovar, que não possa fazer o telespectador pensar. Pode sim. Mas pensar o que foi pré-determinado, pensar de acordo com o que já foi planejado, com o que a mídia espera. “Ela inova, apresentando exemplos de vida, de ambientes, de situações que acabam funcionando como modelos” (FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 36), mas tudo de acordo com o planejado:
   Se as conversas domiciliares giravam em torno do conhecido (a rua, a família, os parentes) ou da vida pública (a polícia, a religião, o futebol), a televisão traz agora „novos momentos‟, novas realidades, que mostram mundos desconhecidos e inovadores para o público. Nesse sentido, ela amplia os antigos horizontes de discussão e o diálogo das pessoas, dilatando sua vivência com esses novos dados
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 37)
   Ela mostra um mundo de fascínio, de show, totalmente diferente do cotidiano das pessoas e, ao mesmo tempo, não tão distante. É sua realidade maquiada, da forma que as pessoas gostariam que ela fosse e, no entanto, não consegue atingir. São novos padrões inseridos, que as pessoas desejam obter. É uma mudança de hábitos culturais e sociais, que começa a ser vendável. O público passa a acreditar que essa felicidade criada pela televisão pode ser atingida caso “aquele” carro seja comprado, ou “aquela” roupa, ou uma infinidade de produtos que representam muito mais status que sua serventia real (locomoção, vestimenta).
   A partir de mudanças tão notórias surgiram estudos, estudiosos e a Teoria Crítica, que norteará este trabalho.

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