3.1. Estereótipos

   Nessa reprodução, os estereótipos estão incluídos. Eles:
   São um elemento indispensável para se organizar e antecipar as experiências da realidade social que o sujeito leva a efeito. Impedem o caos cognitivo, a desorganização mental, constituem, em suma, um instrumento necessário de economia na aprendizagem. Como tal, nenhuma atividade pode prescindir deles.
(WOLF, 2002, p. 91)

   Em outras palavras, os estereótipos são necessários para situar o telespectador dentro da mensagem. Eles ajudam a despertar a identificação do telespectador com o programa, trazendo até eles a potencialização dos tipos aos quais ele já está acostumado a ver diariamente. E isso também ajuda a prender a atenção.
   Quanto mais dura é a realidade da pessoa, mais ela vai ater-se e apegar-se aos personagens de um programa, vendo neles a vivência que ela gostaria de ter.
   Em Show de Truman, muitos são os estereótipos que podemos identificar:
   A vizinhança sempre feliz, rodeada de seus cachorros ou esposas e crianças. Sempre prontas para um cumprimento:



   Truman à família vizinha: bom dia.
   Marido (Fritz Dominique) sorri e esposa (Angel Schmiedt) responde: bom dia.
   Filha do casal (Nastassja Schmiedt): bom dia. Truman: e caso não os veja novamente, tenham uma boa tarde e uma boa noite. Na sequência, Truman caminha em direção ao carro e é abordado por outro vizinho, Spencer (Ted Raymond), que diz: bom dia, Truman.
   Truman: bom dia, Spencer.
   O cachorro Dálmata do vizinho vai em sua direção e Truman tenta se defender: Pluto, não! Abaixe!
   Spencer: ele não faz nada.
   Pluto começa a pular em Truman, que responde ao vizinho: eu sei. É só comigo.
   Até que Spencer chama seu cachorro e Truman entra no carro para começar seu dia de trabalho.
   A vizinhança feliz não é retratada apenas através dos vizinhos corteses. As casas bem pintadas e bem cuidadas, com belas cercas e belos jardins, ruas limpas, onde todos estão sempre dispostos para o trabalho e para executar suas atividades são outros aspectos que ajudam a compor o quadro que, nada mais é, que um estereótipo de uma vizinhança ideal e um convívio ideal com estas pessoas que moram tão próximas.
   Em uma das primeiras cenas do filme, quando Truman está saindo para o trabalho, uma peça de iluminação cai do alto do cenário, bem próxima ao personagem. A estranheza do objeto e sua queda o deixam intrigado.
   Para disfarçar o acontecimento, é noticiado no rádio que uma aeronave derrubou suas partes. É então que nos deparamos com outro estereótipo: o radialista, que faz uso de uma linguagem que proporciona aproximação com o ouvinte e o faz sentir confortável, acompanhando-o diariamente a caminho de mais um dia difícil. Este radialista, além de deixar o trabalhador a par das notícias, o faz relaxar com um pouco de música.
   A reprodução do seguinte trecho do filme ajuda a exemplificar e explicar o que foi exposto anteriormente:
   Radialista: notícias recentes. Uma aeronave com problemas derrubou suas partes ao voar sobre Seahaven há alguns momentos. Por sorte ninguém se machucou. Mas, tudo bem com você? Que ótimo. Pensando em viajar de avião?
   Truman: não.
   Radialista: que bom. É o programa “Vôo Clássico Com Carro Clássico” então, esqueça os riscos de voar, acomode-se e ouça esta música para relaxar.
   Ainda no trajeto de Truman ao trabalho, podemos extrair outro exemplo de estereótipo: Harold (Mal Jones), o dono da banca de revistas. Um velhinho simpático, sempre pronto para atender a clientela.
   O diálogo seguinte reproduz a boa relação que o vendedor tem com seus clientes que, por sua vez, faz parte do ideal de convivência passado para os que assistem ao programa:



   Truman: o jornal, por favor, Harold? E uma dessas aí para a minha esposa. Adora revista de moda.
   Harold, com um largo sorriso, pergunta: isso é tudo, Truman?
   Truman: tudinho, amigo.
   Harold: até depois.
   Outros personagens que compõem esse grupo de exemplos são: Meryl, a esposa de Truman. Uma enfermeira dedicada ao trabalho e à família, boa dona do lar, sempre atenta aos produtos que facilitam a vida da dona de casa, sempre preparando algo gostoso na cozinha e alerta às necessidades do marido e à boa convivência com a sogra, que, por sua vez, é outro estereótipo. A suposta mãe de Truman (Holland Taylor) é uma senhora sempre pronta para ouvir seu filho e sua nora. Grande incentivadora do matrimônio, está sempre desejando e esperando por netos, que ainda não vieram.
   A própria cidade de Seahaven é um grande estereótipo, pois nela tudo acontece de forma perfeita: seu pôr-do-sol é o mais bonito, assim como sua lua. Suas ruas e praças são impecáveis, o trânsito tem ordem, as crianças vão à escola, os lugares abrem e funcionam da maneira esperada, e todos vivem em harmonia e com educação.
   Há um trecho no filme em que um colega de trabalho de Truman comenta com ele uma manchete de jornal relacionada à Seahaven, que deixa bem claro a idéia de cidade perfeita vendida através do show:
   Colega de trabalho (Judson Vaughn): “O Melhor Lugar do Planeta”. Truman, viu isto?


   Esse conjunto de fatores e personagens serve para confirmar que tais elementos de um programa como Show de Truman são extraídos pela Indústria Cultural, das necessidades percebidas no público.
   Existe uma negação da vida real, que tende a maquiar os personagens e elementos presentes no convívio real do telespectador. Estes, por sua vez, são mostrados na televisão da maneira que esse telespectador gostaria de vê-los:
   É importante, então compreender que o fascínio da TV não é fabricado, não há um grupo de pessoas maquinando estórias e personagens para impor às massas; ao contrário, os meios de comunicação atuam sobre as necessidades já existentes no ser humano.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 42)

   O próprio público mostra como a indústria deve agir para elaborar a magia dos shows, do espetáculo que é a linguagem da televisão.
   Para compor essa linguagem, existem também dois esquemas básicos. Não só os estereótipos são extraídos do que o público espera, não só eles são utilizados para aproximar o telespectador do aparelho televisivo, tornando-o cada vez mais parte necessária de sua vida:
   Temos, portanto, naquilo que convencionalmente se chama linguagem da televisão, a redução de tipos, de acontecimentos, de situações a esquemas básicos, construídos de forma simples e facilmente identificáveis. Essa padronização criada pela televisão empobrece, sem dúvida alguma, a reprodução da vida, reduzindo-a a um agrupamento de cenas-padrão.
(FILHO, Ciro Marcondes, 1996, p. 44)

   Primeiro deve ser explicado que o empobrecimento da reprodução da vida na produção televisiva à qual se refere o autor é apenas parte da composição que a Indústria Cultural realiza. Por produzir para as massas, essa indústria se preocupa apenas em atingir o público quantitativamente, deixando de lado a qualidade de suas produções.
   Importa quantas pessoas vão digerir aquele produto cultural, mas não importa a maneira como isso vai acontecer e nem se esse conteúdo vai enriquecer o público. A prioridade é que o objetivo seja atingido: a absorção da mensagem da maneira que ela foi estudada e programada para acontecer.

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